domingo, 1 de junho de 2008

Negociação

1. Introdução
Se o conflito é um processo definido e reconhecido como característico do ser humano, inerente á sua condição de viver em sociedade, a negociação é sustentada e existe para resolver esses conflitos.
A negociação, é pois, a forma mais eficaz de resolver esses conflitos, e o seu impacto reflecte-se no bem-estar do Ser humano.
“Consiste num processo de resolução de conflitos entre duas ou mais partes opostas através do qual ambas ou todas as partes modificam as suas exigências até alcançarem um compromisso aceitável para todos” (Kennedy)
A definição de conflito comporta em si um conjunto de elementos essenciais para que haja negociação, e esses elementos são: interacção, divergências, interesses comuns, necessidade de uma solução e um certo carácter voluntarista na procura de um entendimento.
Uma negociação eficiente e eficaz requer, conhecimento sobre as pessoas que negoceiam, sobre os assuntos em jogo, e as técnicas de negociação. A sua eficácia depende das realidades externas e internas de cada uma das partes, e os seus processos de percepção, expectativas e emoções crenças e valores.
A negociação pode ser, distributiva, onde há um bolo fixo a partilhar, e uma estrutura de interdependência que se identifica como ganho/perda. Como pode ser, integrativa, quando estamos perante um caso que o ganho pode ser partilhado por ambas as partes, tipo ganha/ganha.
O trabalho que agora vamos desenvolver emerge de um conflito interpessoal, profundamente vincado por questões de éticas, morais e religiosos. Questões essas, que se sobrepõem á necessidade de resolver o conflito, tornando difícil o entendimento entre as partes.
O conflito que criamos para este trabalho é puramente ficcionado, tem no entanto, raízes muito fortes na realidade, e coloca-nos um conjunto de dúvidas muitas vezes difíceis de responder.
Cabe-nos nesta segunda fase do trabalho de grupo, analisar o processo negocial que poderíamos desenvolver se este caso existisse. E como poderão ver no nosso filme a realidade não está assim tão distante.

2. O conflito
Uma criança sofre um grave acidente de viação.
A criança chama-se Inês, tinha na altura do acidente 12 anos, e como resultado do acidente fica tetraplégica, num coma profundo que dura há 3 anos.
Os pais, Jorge e Beatriz, já estavam separados na altura do acidente. Há muito que não têm vida em comum e nem a fatalidade de Inês conseguiu limar arestas de relacionamento cavadas por personalidades, estilos de vida e concepções diferentes do modo de estar na vida.
Os dias vão passando, a solidariedade intensa que a situação de Inês causou na sociedade, na média, nos amigos, há muito que se esbateu.
Passados três anos, uma Inês em coma, sem hipóteses clínicas de recuperação dos movimentos, só tem o pai e a mãe ao seu lado.
Jorge acha que chegou a altura de colocar um ponto final na vida vegetativa da filha: Deixar Inês ir embora, fazer o luto e continuar a vida.
Beatriz não aceita. Enquanto a filha tiver vida não vai permitir que desliguem os meios técnicos que suportam a vida.

3. Analise do caso
Analisando este caso, identificamos desde logo um conjunto de elementos que nos levam á necessária negociação:
- Interacção entre os protagonistas, o que implica uma forma de relacionamento e comunicação entre o casal separado e com uma filha, apesar de divorciados, existem outros familiares, são elementos influenciadores.
- Divergência, interpretação e percepção diferente quanto aos interesses em causa, conflitos de valores e distintos sobre a Eutanásia. Diferem de educação e crenças diferentes.
- Interesses comuns, a constatação de uma interdependência entre as partes, obrigados a agir na procura de uma solução para o estado de Inês.
- Necessidade de uma solução que seja aceitável para ambas as partes e que traga alguma tranquilidade para os pais e toda a família.
- Carácter voluntário apesar de profundas divergências, para o sucesso de uma negociação, terá sempre que haver um carácter voluntário e uma predisposição de todos na tentativa de uma solução comum.
As expectativas dos pais de Inês são demasiado ambiciosas para que, aparentemente, se possa atingir um acordo, excepto se, se identificar uma solução em que ambos saíam a ganhar.
As expectativas que ambos depositam nesta negociação bem como o perfil de cada um pressupõe uma negociação baseada na competição, assente em comportamentos de maior agressividade e de maior intolerância.

4. Preparação da negociação
Do mesmo modo que o conhecimento das matérias relacionadas com o conflito, e dos actores em confronto são importantes na negociação, a preparação é um dos pontos-chave para o seu êxito.
Para que haja sucesso na negociação é necessário conhecer e utilizar, um conjunto coerente de instrumentos, de métodos e de técnicas, fundamentais para resolução do conflito.
Conhecer as partes em conflito, a sua relação de interdependência, a sua relação de forças, as expectativas que depositam na negociação e a sua percepção das divergências. Saber como elas reagem.
As suas características como indivíduos (Manipulador, Honesto, Lúcido, Ingénuo).
Note-se que no nosso caso, estão em confronto duas pessoas diametralmente diferentes.
- Pai, homem liberal, desprendido de bens materiais que ama a natureza, amigo do seu amigo, com um grande sentido de humor.
- Mãe, nascida numa família austera, com uma educação muito rígida, e que acredita profundamente em Deus.
No entanto planear significa, antes de mais, criar objectivos para que o resultado da negociação seja o mais estável a longo prazo, mais benéfico para a harmonização entre as partes.
É nesta fase que se recolhem os elementos de informação necessários a uma posterior negociação, de modo a formular um conjunto de argumentação de apoio, necessária para posteriores discussões.
Da análise dos interesses e as posições das partes em confronto, sobrepondo aos objectivos definidos, obtêm-se o ponto de resistência, isto é o ponto ideal para atingir o acordo.
No nosso caso, as expectativas dos pais de Inês são demasiado ambiciosas para que se possa atingir um acordo, excepto se, se identificar uma solução em que ambos saiam a ganhar, contribuindo para o bem estar daquela família e uma solução aceitável para Inês.
Pontos de resistência no nosso conflito:
- Os tipos de conflitos, no nosso caso o conflito assenta em questões de crenças, culturais e religiosas e a percepção sobre o que é melhor para a filha.
- As relações de poder, e o seu impacte na dinâmica relacional e na eclosão de conflitos. Neste caso falamos de uma situação em que as partes que conflituantes têm o mesmo poder de decisão.
- A comunicação ineficaz como factor de conflito, a nossa negociação assenta numa relação de carácter interpessoal, que se caracteriza por um completo conflito de interesses, o que pressupõe uma negociação de carácter distributiva.
È também, nesta fase que se pondera, questões procedimentais, como as características do local das reuniões, o calendário ou a ordem pela qual se vão tratar os assuntos.
Com os dados que dispomos sobre a matéria, entendemos neste caso, que a disputa entre Jorge e Beatriz, deveria ser mediado por uma terceira pessoa que ajudasse a estabelecer uma relação de confiança entre ambos, necessário a negociação aceitável.

5. Estratégias e tácticas
Os modelos de negociação revestem-se de um conjunto de elementos em análise que permitem compreender a dinâmica relacional do conflito. Tornando este num fenómeno de grande variabilidade.
È uma fase tacticista e muito dinâmica, que se caracteriza pela opção entre negociar ou não negociar, de fornecer informação imediata ou fornece-la ao longo da negociação.
- As principais estratégias de negociação:
4 Integrativa: Se está em jogo mais do que uma questão, cada uma delas valorizada de maneira diferente pelas partes. O ganho pode ser partilhado por ambas as partes. Implica um equilíbrio na relação de forças, criação de confiança futura, ganhos para todos.
4 Distributiva: Envolve geralmente uma só questão, há um bolo fixo a partilhar. O ganho de um implica a perda do outro. Implica um desequilíbrio na relação de forças e dificulta uma relação duradoura.
A escolha da estratégia é definida em função dos objectivos que se pretendem alcançar e da situação em causa. Saber adaptá-las ao processo durante a negociação, implica a utilização de um conjunto de tácticas.
- As Tácticas. São fundamentais para ultrapassar as situações de impasse que vão surgindo durante a negociação. O impasse pode ser táctica na negociação
4 Tácticas competitivas: Utilizadas nas estratégias distributivas. Prevalece os interesses de quem as utiliza.
. Lisonja – manipulação, baixar resistência do opositor
. Persuasão – argumentação para convencer
. Promessas e Ameaças
. Decisões irreversíveis – ameaça/determinação
4 Tácticas cooperativas: Utilizadas nas estratégias integrativas. Encontrar soluções que agradem a ambas as partes.
. Expansão de recursos – aumentar recursos
. Brainstorming – Produzir o máximo de ideias
. Interesses partilhados – identificação de interesses
. Compensação não especifica – indemnização
. Redução de custos – compensação
. Alternativa super-ordenada – nova opção
4 Tácticas de modificação de comportamento: Podem ser utilizadas em ambas as estratégias
. Reforço do comportamento – repetir comportamento
. Shaping – aproximação comportamentos desejáveis
. Bluff – induzir comportamentos falseados (perigosa)
. Coligações – acordos sobre determinados pontos
O caso que apresentamos, é aparentemente de estratégia distributiva.
As interacções distributivas caracterizam-se por comportamentos de ataque/defesa, de competitividade entre as partes, uma comunicação agressiva e por vezes distorcida.
Associa-se á crença de que o ganho de um é a perda do outro, trata-se de um jogo soma nula, maximizar os ganhos e minimizar as perdas ou lucro próprio.
Os pais de Inês irão utilizar um conjunto de tácticas mais duras de forma a influenciar o ponto de resistência da parte oponente.

6. Como resolver o nosso caso
A terceira pessoa que elegemos para mediar o nosso conflito é padre, uma pessoa muito próxima do casal e conhecedor profundo dos seus problemas. È ele que utilizando os seus conhecimentos vai utilizar todas estas técnicas no sentido de encontrar uma solução
- Mediação: è um método de negociação extrajudicial muito útil principalmente, como no caso em analise, estão em causa conflitos com raízes profundas. A Partir da sua posição proporcionam recurso para um melhor entendimento.
A primeira etapa da negociação, é uma etapa de grande tensão, e assiste-se muitas vezes a exageros e a tentativas de condicionar a outra parte.
È nesta fase que se afirmam os antagonismos, muitas vezes demonstradas pela firmeza que se coloca na defesa dos interesses próprios. Mas também é neste ponto da negociação que se clarificam os objectivos e a vontade de alcançar um acordo.
Estabelecer uma boa relação com os interlocutores é fundamental, a confiança e a honestidade, em especial no nosso caso.
- Mantendo uma comunicação harmoniosa e eficaz, permitir que ambas as partes clarifiquem as posições, deixar claro quais as suas expectativas sem que para isso exista um compromisso. Vincar a necessidade de chegar a um acordo.
- Construir e manter um clima de confiança – utilizar um processo de comunicação com base nos interesses mútuos, através da assertividade e do saber ouvir, de modo a potenciar a atitude cooperativa nos outros para facilitar a negociação
- Seleccionar um conjunto de procedimentos de forma a reforçar um comportamento positivo e de confiança.
- Ultrapassar os bloqueios, pessoais que dificultam a procura de critérios comuns para construir soluções, muitas vezes, como no nosso conflito, arreigados a questões éticas, morais ou religiosas que influenciam a percepção do indivíduo num determinado caso concreto.
- Saber conduzir a negociação: utilizar os métodos mais eficazes em cada etapa
4 Enquadrando os vários elementos da negociação e os interesses mútuos em conflito, e tratando os diferentes tipos de objecções;
4 Saber sair de uma situação de impasse é a chave para desbloquear situações e retomar os diálogos em clima de cooperação.
- Avaliar a relação de poder na negociação, poder expresso, poder real, poder percebido.
- A importância do tempo na negociação, a necessidade de perceber que o elemento tempo pode ser um factor muito influenciador na negociação. Situação que não se coloca no nosso conflito.
A necessidade de concluir acordos torna a atmosfera mais pesada. A relação tende a tornar-se mais tensa.
È agora o momento central do processo de negociação, onde se manifesta alguma flexibilização, como contraponto á rigidez inicial. Surgem as propostas e as contra propostas.
A conclusão da negociação depende sempre da percepção que cada um tem, da convicção, da possibilidade ou não, em obter melhorias da outra parte relativamente ás proposta apresentadas.
O elemento temporal desempenha nesta fase um papel determinante quanto á serenidade e margem de manobra que cada parte tem.
- Técnicas de fecho da negociação – È uma fase breve mas intensa, a moldagem do acordo final, através de concessões em assuntos menos importantes.
- Saber avaliar a eficácia de uma negociação, Saber se conseguimos um acordo fiável, duradouro e que seja integrativo como forma de reforçar a relação entre ambos.

7. Conclusão
Quando iniciamos o trabalho de grupo sabíamos que este era um conflito polémico e uma negociação difícil.
O caso que desenvolvemos caracteriza-se aparentemente como uma negociação distributiva. Pois surge de um conflito interpessoal e de uma correlação de forças idêntica. O bolo não se divide, é a teoria do jogo soma nula, alguém ganha e o outro perde. É aparentemente inegociável.
A solução parecia só ser possível através da arbitragem, recorrendo aos tribunais.
À medida em que fomos desenvolvendo o nosso trabalho, e que o passamos da terceira para a primeira pessoa percebemos que a percepção que tínhamos do próprio conflito era errada. Ela mudou ao contactarmos com pessoas que vivem e lidam problemas semelhantes.
Ao falarmos com a mãe do Pakuka percebemos que este, em ultima analise, é um conflito intrapessoal.
Ao falarmos com o padre David Barreirinhas que a posição da igreja em relação á eutanásia não é tão ortodoxa como pensávamos.
Foram estes os factores que nos levaram a concluir que numa mediação levada a cabo por um padre a percepção de Beatriz em relação á eutanásia iria mudar.
Como podemos acompanhar durante o trabalho o sucesso desta negociação deveu-se fundamentalmente a tês factores essenciais.
- O planeamento, através do conhecimento da matéria e dos personagens envolvidos. Proporcionando a capacidade de reagir a situações de impasse e de bloqueio
- O estabelecimento de objectivos, encontrar uma solução digna para a filha que trouxe paz e harmonia ao seio daquela família.
- O recurso a um mediador revelou-se decisivo para a resolução deste conflito.
Assim, percebemos que a percepção da Mãe de Inês em relação ao conflito ia mudar.
Beatriz pode agora, aceitar a morte da sua filha.

Bibliografia
Pedro Cunha – Conflito e negociação
Bazer & Neale, 1993; Kennedy & mcmillan, 1996; Pruit 1981
Greenhalgh, 1987; Serrano & Rodrigues, 1993a
Dupont, 1994 – Estratégias na lingugem da teoria dos jogos
Teresa Campos Proença e António Pedro Correia